sábado, 28 de junho de 2014

Uma declaração de amor e compreensão

Querido Nietzsche,
Gostaria de te oferecer o que tenho. Eu tenho um abraço forte, um colo macio, uma voz suave e um olhar profundo. Além disso, te ofereço a translucidez de minha alma. Um espírito convencido de que não é tão livre como você supôs. Um espírito convencido de que você mesmo não acredita nessa liberdade.
Mas não se preocupe, meu amor, eu não vou discutir sobre isso com você. Hoje eu quero te dar apenas o que você sempre quis, mas nunca encontrou. Pode chorar como nunca foi capaz, eu sei usar as palavras. Pode falar o que sempre calou, eu sei usar o olhar.
Você se torna humano, demasiado humano, quando se permite sentir outro humano. Você sentiu outro humano. O problema é que esse humano foi concebido por você. Zaratustra foi sua forma de viver além-do-homem. E você conseguiu viver além de si mesmo, você só não contava que além do homem, existe o que transcende e o que transcende a humanidade, você não podia aceitar pois esbarra no limite do entendimento.
Conceber a lógica da criação a partir de um espírito livre deve ter sido confortante. É confortável pensar na ideia de liberdade, de não-fronteiras, de infinito. Infelizmente nossa dura e desprezível condição humana, não nos permite tirar os pés do chão e alcançar a liberdade de um voo. Desse modo, um simples pássaro é mais livre que nós. E qualquer animal irracional torna-se superior ao homem, pois o agir por instinto é o ápice da liberdade.
É muito difícil dormir achando que a proposta de transvaloração dos valores é possível e acordar sem saber o que o seu espírito fazia enquanto seu corpo repousava. Esse descontrole que temos daquilo que está em nós e não vemos, mostra sempre que existe algo maior do que nós e que nos pode dominar.
A religião é um vício. A paixão é um vício. A busca do saber é um vício. Nietzsche, meu amor, somos todos escravos de algum vício.
Você tem razão: nós somos assassinos. Nós matamos Deus. Mas Deus é maior do que nós e transcende a dor física que o levou à morte de seu corpo. Deus não está morto dentro de mim. Deus nunca morreu dentro de você. A questão é que seu espírito Dionísico era livre demais para aceitar ter dependido de outro ser para existir.
Admitir que precisamos de um ser que pressione o 'start' de nossa existência, é admitir que existe algum ser que nos domina e que em algum momento, pode pressionar o 'stop' e acabar com tudo. Deus pressionou o 'start' de sua existência. Você pressionou o 'stop' porque não aceitou ser criado por Deus. Eu te respeito.
Você é lindo. Eu daria muito para ter convivido com você. 
Sobre Lou Andréas-Salomé... Você se apaixonou pela sabedoria dela. Você se apaixonou pelo que ela pensava. Mas a paixão vicia. O vício escraviza. Você não aceitava escravidão. Lembra? Ela também não aceitava e o impulso de liberdade fez com que ela o abandonasse. Mas eu estou aqui.
São essas contradições, Nietzsche, que me fazem ver você além de si mesmo. Você não era anticristão. Você quis ser anti. Mas o que você conseguiu foi ser antídoto para almas inquietas como a minha. Não sei se devo lamentar por dizer, mas a sua loucura, me ensina a não me tornar louca. Porque a liberdade, criada à sua concepção, leva à loucura, leva à demência.
Se eu tivesse ao seu lado, eu não deixaria que isso acontecesse. Eu não esperaria você sentir compaixão pelo cavalo caído para entender que você ama. Para entender que você precisava ser amado.
Em profundas lágrimas, me despeço com um último abraço e sussurro a você: eu te amo.
Hellen Taynan 

2 comentários:

Anônimo disse...

Contradições, sempre as contradições do ser humano (ou desumano). Belo e complicado raciocínio...

Unknown disse...

A liberdade plena só é possível aos irracionais, por não pensarem, simplesmente a usam sem limites ou regras, a liberdade do homem é submissa é vigiada, é uma liberdade dentro de limites impostos pelas leis magnas de cada país.
Quando, um HOMEM, questiona DEUS, esse homem acredita em Deus! mas como não o vê ou sente, a tendência é a LOUCURA oriunda de uma crise existencial, pobre homem, GRANDE e PEQUENO homem.

Por Mário Flávio